top of page

A Luz Incriada: O Tabor que Habita em Nós

Armando Cruz

“Senhor, é bom estarmos aqui.” – Pedro no Monte Tabor (Mt 17:4)

“Senhor, é bom estarmos aqui.” – Pedro no Monte Tabor (Mt 17:4)

E foi então que Pedro, homem de redes e impaciências, subitamente transfigurado pelo espanto, proferiu palavras que não eram suas, mas do coração da criação inteira: Senhor, é bom estarmos aqui. Porque naquele instante, sobre o monte, o tempo foi suspenso, a matéria se curvou, e a luz — não a luz solar que se mede em lux, mas a luz que não nasce nem se põe — resplandeceu no rosto do Filho do Homem.

Essa luz é a Luz Incriada, sobre a qual falaram os santos do Oriente com temor e intimidade. Não é símbolo, não é metáfora, não é produto da imaginação mística, mas realidade divina, presença do próprio Deus que se revela sem se consumir, como a sarça diante de Moisés. Essa luz é Deus mesmo, e é sua energia — não a essência inacessível, mas o dom de si, como explicaria São Gregório Palamas, defensor da teologia hesicasta e da experiência da luz taboríca.

“Deus se comunica por Suas energias, e essa comunicação é verdadeira participação”, escreve Gregório, ecoando a tradição viva dos Padres que compreenderam que a divinização (theosis) não é figura de linguagem, mas vocação real do ser humano.

Na Transfiguração, os discípulos não apenas viram algo, mas participaram de algo. Aquele que viram era o mesmo que caminhava com eles — mas agora em esplendor — e o que antes estava velado pela carne mortal se revelou na glória da divindade. Isso, porém, não era algo externo: era aquilo que eles também foram chamados a acolher em si, pela graça.

“Deus se fez homem para que o homem se tornasse deus”, disse São Atanásio, e nenhum outro evento torna isso tão sensível quanto o Tabor. Pois ali se mostra que a carne pode brilhar, que os olhos podem ver o invisível, que o tempo pode conter o eterno, e que a oração pode tornar o coração semelhante ao de Cristo.

Mas não se sobe ao Tabor por palavras ou ideias. Sobe-se com esforço, com silêncio, com vigílias. Evágrio Pôntico dizia que “se és teólogo, ora verdadeiramente; e se oras verdadeiramente, és teólogo”. Porque a oração, quando pura, deixa de ser discurso e torna-se fogo, não fogo que queima, mas que ilumina — o mesmo fogo que Moisés viu no Horeb, que Isaías sentiu purificando seus lábios, que os Apóstolos viram no Tabor.

Essa luz não está distante. Habita aquele que crê. “O Reino de Deus está dentro de vós”, diz o Senhor (Lc 17:21), e São Serafim de Sarov testemunha: “Adquire a paz interior, e milhares ao teu redor serão salvos”. O Tabor é o monte da alma, onde Cristo deseja revelar-Se. E se Pedro disse “é bom estarmos aqui”, é porque reconheceu, por um instante, que aquele lugar não era apenas um ponto no espaço, mas o limiar entre o visível e o invisível, entre o que é e o que será.

Na tradição hesicasta, o corpo torna-se templo, a respiração torna-se cântico, o coração torna-se altar. Não se busca uma experiência sensível, mas uma presença. E quando a Luz Incriada visita o coração purificado, não há mais dualidade entre ver e ser. Tudo se unifica no fogo suave do Espírito.

São Máximo, o Confessor, diz que o mundo inteiro é uma liturgia cósmica: o Cristo transfigurado revela o sentido último de toda criação — ser receptáculo da glória de Deus. E o ser humano, microcosmo e sacerdote, é o ponto de convergência entre a terra e o céu, entre o silêncio e a Palavra, entre o pó e a Luz.

Pedro quis permanecer ali. Mas a luz o mandou descer. Porque não se vive no Tabor — mas o Tabor deve viver em nós. A Transfiguração é promessa e missão. Promessa de que o homem pode ser luz, missão de levar essa luz até os vales escuros.

E por isso, ainda hoje, é possível repetir com verdade:Senhor, é bom estarmos aqui —Aqui, onde a luz se revela, não para os olhos da carne, mas para o coração que crê.

  • Instagram
logo

                           Armando Cruz

Tradutor | Filólogo Românico | Professor de Idiomas|Curador de Experiências Linguísticas

 

Atelier Linguístico, Cultural & Tradutológico

──────────────────────────────────

Contato

Pergunte algo

bottom of page