O tempo dentro das palavras
- Armando Cruz - Fragmentos do Verbo
- há 3 dias
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Há palavras que duram mais do que a matéria. E há silêncios que dizem mais do que qualquer frase. Entre uma e outra, navegamos com os sentidos atentos, como quem tateia o tempo através da linguagem. O tempo, sim, está dentro das palavras. Habita suas raízes, suas variações, suas ausências. A cada verbo conjugado, a cada tempo verbal escolhido, escolhemos também uma forma de existir.
Em português, dizemos "estou com saudade" — e não "tenho saudade". A saudade não é posse, é estado. Em francês, o verbo "être" se entrelaça ao tempo e à identidade. Em inglês, "to be" é ao mesmo tempo estar e ser. Cada língua nos obriga a decidir como nos situamos no tempo — se estamos de passagem, se pertencemos, se resistimos. Aprender uma língua é também aprender a contar o tempo de outro modo.
Como tradutor e professor, percebo como os tempos verbais se tornam espelhos da nossa própria relação com a existência. O pretérito, o futuro, o presente contínuo — todos são maneiras de habitar a realidade. Alguns alunos preferem o presente porque nele se sentem seguros; outros se aventuram no condicional, onde há margem para o sonho, para a hipótese, para o que poderia ter sido.
Quando ensino, não ofereço apenas listas de tempos verbais. Ofereço lentes. Ensinar gramática é, nesse sentido, ensinar filosofia. Ajudar alguém a dizer "eu fui", "eu serei", "eu teria sido" é permitir que ele reflita sobre sua trajetória, seu desejo, seu destino. E cada tempo verbal se torna, assim, uma janela sobre o tempo interior.
Fragmentos do Verbo existe para esses encontros: onde a linguagem deixa de ser instrumento e se torna espelho. Onde o verbo, fragmentado, nos revela inteiros. Porque no fim das contas, estudar uma língua é estudar-se. E cada tempo aprendido é um tempo que ganhamos.
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